sábado, 19 de junho de 2010

'Arautos e devoradores'

“E lhe digo, Masmorra, não és nada além de limo e pedras! Minha carne, porém, lhe traz alma!” – Grouxo R.

Eu, como arauto de Wall, posso dizer que os últimos dias têm queimado, e comido, como lima nova incandescente. Este é o tipo de coisa sobre a qual não me muda muita coisa ao falar; sem olhar para o Narciso distraído, sinto morte, sinto dor, e então sinto paixão pela minha garota, e vejo que ela assopra os ralados dos joelhos de minha alma, com um mercúrio indolor, mercúrio este que separa ouro de entulhos, me revestindo novamente. Sou arauto de novo, e meu mestre apenas sorri, sem emoções... gosta muito do chamado cordão de prata; era algo assim, só me lembro que o cara andava coberto com aquele manto, e não tinha nave, a não ser aquela que descia à terra em seus últimos dias (relatos e mais relatos sobre os quais apenas eu entendo plenamente. Preciso mesmo escrever aquele livro, e urgente).

Tenho saudades de minha condição voadora, sim, era algo que me fazia ver até mesmo o terror com olhos calmos e translúcidos. Meu mestre! Como é que me tornei tamanho mendigo? Leio cada vez mais aquelas chamadas artes espirituais, e a morte já nem é mais ameaça, é simples e inodora... o que tem cheiro é o sangue! Morte não existe para quem já viveu o bastante. Tive dias de todos os tipos, até mesmo dias no espaço. Vi o ambiente desmazelar-se, dando lugar para três ou quatro planos diferentes. Por que é que falo tanto sobre aquelas viagens? Foram nada mais do que um devaneio, ou teriam tais peregrinações sido algo sobre minha alma deslocando-se para diferentes planos cósmicos?

“- Redundância? Que nada! É só assim que sei me expressar. Vai levar? Tá a preço de ganja... assim como esse tipo de coisas que você compra todos os dias, e não faz a cabeça de ninguém, só deixa o ventre louco para carregar água. Ronronas mais do que gata no muro. Pula de uma vez, e veja se esquece todo aquele lance de querer ganhar discussões com ‘macacos velhos’! – Diz Wall.

- Sabes falar muito bem sobre prenhas! Muito interessante da parte de um aleijado mental como você. Lembra-se dos abortos lobotômicos que fez com gases e mais químicos? Lembra-se daquele dia em que ficou com medo de ter deixado seu inexistente feto na mão, por ter comparado-o com merda? Pois me lembro bem! Contou tudo pra mim depois, como se não tivesse mais o que fazer da vida, a não ser confessar pecados ao primeiro ser que tivesse o colarinho que fosse. O meu era uma gravata borboleta. – Responde com clareza a filha da benzedeira.

- Pois sabe o que isso significa? Convergência neural inter-hemisférios! Pobre coitado é teu alfaiate, que te veste como vendedor de cacetinhos!

- Que?

- Cacetinhos! Pouca bosta, ta me entendendo? Você e toda sua ridícula conversa sobre sinapses. Mal sabe que tudo isso trata-se de um monólogo..!”

E tudo tratava-se de um monólogo. Wallace por sua vez, atirou um lampião em sua coleção de fetos aerossol. Sim, Wallace tem um arauto, este que vos fala, pois o cara não tem corpo, precisa de minhas mãos. Digo-lhe mais, és também ‘Masmorra’; e o que lhe move as mãos também não tem corpo, mas lhe traz alma.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

'O Barco do Sr. Engodo'

O senhor que vejo dentro de mim é seco, e muito sério, apesar de eu estar muito besta e adiposo. Acabei de sair de um paginário, e o que trouxe em minhas mãos brilhava, como a face traseira de um rosto (que só é de carne no final das contas); se almas brilham, são como a vida, tornando assim o mundo dos mortos apenas um mundo a parte. Mas se é preciso tocar a jugular de um cadáver fresco para saber se está mesmo morto ou não, pergunto: “que brilho seria esse o da alma?”. Prendi minha respiração antes de ontem, e localizei com destreza minha jugular; está tudo mais claro agora, porém, mais duro, assim como a vida era antes.

Ao sair do paginário, refiz minha rota tão familiar, onde havia gente, esqueletos dentro delas, e o brilho estranho, que se vê tanto no céu, como nas faces. Imaginamos tais coisas? Há brilho? Há faces? Acredito que o que se vê nos galhos ‘felpudos’ de árvores medonhas, é o que vemos nos rostos. Por que o digo? Porque vejo rostos barbudos em árvores, e vejo neles constelações de passarinhos, pássaros e outros seres alados. Não os vejo mais com tanta frequência, mas está tudo lá, sei que está. Até porque o que escorre dos olhos nada mais é senão pré-dejetos de orifícios puros. Em algum lugar do universo toda essa água vira remela, como no mar que faz engasgar, que faz flutuar mais do que outros. Este barco porém, não flutua, como é dito nas embalagens de barcos infantis, de brinquedo, ou artesanais. Este barco meu caro, é feito pelo Sr. Engodo, e não cheira tão mal quanto uma nau que carrega senhores sisudos europeus, ou de todo o mundo, o engodo pois tem cheiro de charutos, de cacau, e de decotes.

Trastes de cá já deixaram suas petecas na nau mas ninguém lá joga. As jogo no mar, que é a única coisa real que vejo agora, até quando bocejo; essas águas que evaporam, e um dia fazem flutuar mais do que outros mares. Mares Mortos.

As colunas de som nunca tiveram tanta verossimilhança; são tortas, mas vejo-as mesmo assim. É tanta imaginação que tudo mais ganha um tom tão luminoso que quero começar a pensar. O sonho tem sido raso, como se estivessem também as águas do tempo dos sonhos evaporando, e fazendo flutuar mais do que outros mares.