segunda-feira, 13 de agosto de 2012
1 segundo e meio de sua atenção por favor...
- Coloque um peso de papel nessa pele estirada no chão; você
não é mais análogo a essa carniça. O que realmente diz respeito à você é sua
alma, e ela não levanta voo, está bem aqui, no eixo de sua esfera.
- Posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro.! Sou apenas você na dimensão macro.
- Ok. Cancelo a pergunta. Era essa mesmo a questão.
- Compreendo.
- Posso vir sempre aqui?
- Você sempre esteve aqui.
É aqui que acaba a saga do Primata do Submundo (aqui houve o
espectro da pergunta sobre ‘O sentido disso tudo’). E é aqui que começa a nossa
saga!
Conheço você de relance. Você é sensível, não por ser
frágil, mas por ter a pele toda esfolada, de tanto atravessar os galhos secos
da superfície. Me reconheço em ti, mesmo quando nos vemos por um 1 segundo e
meio, sob o Sol do centro da cidade. Me reconheço em ti, porque quando saímos
do casulo ao chegar em casa, somos pequenas mariposas, que riem de ratos
nojentos na tela da TV, e não nos deleitamos naquela desgraça. Colocar o rosto
para fora é complicado para Adões e Evas do Submundo. Deveríamos alçar voo em
pleno meio-dia, cruzando os semáforos vermelhos de todo e qualquer olhar de ratos
da superfície.
Reconheço o teu sofrimento, e lhe digo que ele existe devido
ao paradoxo maldito, que é o de ter de nos escondermos ao sair, e voarmos sob o
teto do quarto. Sabe do que mais? Gosto de você, e de todos seus amigos
imaginários; de todos seus sonhos não vividos, e de seu casulo improvisado.
Acreditar que somos fruto de uma grande linhagem, e que
temos a herança da evolução é um erro épico, Eva! Todo abrir de olhos é um
limpar de placenta, e todo piscar de olhos é a morte de toda nossa linhagem.
Abro os olhos, e saio de casa; o mundo é estranho e fétido, até que nos vemos
por 1 segundo e meio. Isso às vezes faz valer meu dia. O frescor da primavera
alaranjada que eu tanto sonhei me manda um sorriso. 1 segundo é o bastante para
espiar pelas brechas do casulo... O meio segundo adicional é por pura admiração.
Gostaria que um dia fizéssemos uma nuvem de insetos, um
panapaná, se preferir. Iríamos ao centro da cidade sem casulos, e desligaríamos
a central de semáforos! Todos os ratos cegos, e um céuzão azul para conhecer.
Sei também o que pode pensar de mim neste momento, e até
disso gosto em você. Só não me confunda com a canção de Vera Lynn. Não falo
sobre um dia ensolarado, e sim sobre uma revolução barulhenta. Um incessante e
ensurdecedor farfalhar de asas. Os ratos morreriam loucos; cegos e loucos. O
fim do paradoxo das mariposas.
Nossa saga começa aqui apenas por este ser outro abrir de
olhos. Tem placenta em seu rosto. Deixe-me limpar... Pronto, melhorou.
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
Saudades da penumbra
Um estúpido e formal roadie
tenta se conectar à realidade, e pra isso usa o monitor de som... É tudo muito
patético, desnecessário, e também a banda sabe disso. Mas, bem... todos têm
direito de se expressar vez ou outra. O que ele balbucia são apenas
manifestações superficiais, de um vulcão que explode toda terça à noite, que é quando
a banda toca. É um mundo estranho, e ele sabe disso. Mais estranho ainda tem se
tornado ele mesmo, e talvez seja isso que o fez falar...
“Onde foi que parei? Ok, deixe-me lhe situar, enquanto afino
essa maléfica guitarra. Parece que esse show nunca vai começar...
Meu grande personagem foi ofuscado pela busca desenfreada
por um roteiro. Ele tinha asas, e é só disso que me lembro. O roteiro tem
acontecido desde sempre, e fui cego hoje a noite, completamente fora de
sintonia com o grande e alado presente que pousava em meus ombros. Ele era apenas
um embrião, e eu o sufoquei. Poderia estar agora
no camarim.
Agora, aquecido e acariciado é bem fácil cuspir na janela
elétrica (esta mesmo, que você encara agora), e fingir que estou dando uma de
marionete; mas nada disso é real. As pessoas jogam fora seus grandes presentes,
e cospem até se secarem, esperando que alguém ache graça, e que batam
devagarinho em suas cabeças, e digam “tadinho...”. Cuspo hoje, mas só cuspo
letras, o líquido está todo aqui, e o poupo, para um dia de sol.
Tenho sido um grande esbanjador, e isso tenho aprendido a
aceitar ao ver amigos que estão com a conta no vermelho (todos eles estão na
banda). Tenho ainda um cachorro, e a penumbra de meu quarto para nela me
deitar. Não tenho móveis, mas ainda tenho cortinas, e isso é bom, atiça a pira
externa, e todos pensam que toco um negócio divertido, como uma creche de
palhaços mirins, ou um ônibus azul, mais penumbrento que meu próprio quarto,
onde semi-gênios compõem ao léu (só me toco de tudo isso quando estou em casa,
e já faz um bom tempo que estou na estrada). Eu compreendo essa grande mentira,
e sei que a realidade é bem mais dura e certeira, como um prego enferrujado no
meio da testa.
Como é difícil me livrar do seio, do dedo, da coberta.
Manias infantilóides fazem de mim esse ‘espetáculo’ (!), e sigo em frente, como
se eu fosse algo que realmente pudesse circular por aí... Não tenho licença
para dirigir meu aparelho motor, pois ele foi tomado à força. Não tenho orgulho
disso, nem vergonha. Alguns mestres têm me dado dicas de como pilotar essa
coisa, e isso basta.
Preciso apenas de um copo d’água, e isso também me basta. Viver simples, e deixar viver. Entende a
proposta? Trago isso guardado há um bom tempo, nisso deposito meu apreço, minha
luta, e também todo esse fluido, me inunda por dentro, e me afoga toda
terça-feira.
Toda terça-feira à noite sou engolido pela natureza, e isso
é fato.
Parece que essa maléfica guitarra está afinada. Sei que
pegou o bonde andando, mas eu precisava conversar; turnês são realmente algo
non-sense. Podemos nos falar depois do show? Ok. Obrigado pela paciência.”
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