Conheço meu olhar, com vergonha de ser “muito compreendido”;
falo através de um codificador, um filtro. Não falo em enigmas, apenas tenha a
chave no bolso. Seja o homem com a chave.
Percebi que quando pessoas desconhecidas me olham, tenho uma
tendência automática de forjar o rosto de uma pessoa que pode se tornar
perigosa. Percebi isso ontem, e me assustei com isso; assim como índios se
assustaram com tanta pompa e fedor dos colonizadores. Por que tal analogia? “Porra,
índios, cara?”. Eu explico: Minha alma tem se purificado, e minha carne tem
adoecido; os índios são a alma, e os colonizadores, a carne (estupradores
malditos de crianças. Crianças puras, como minha alma tem se sentido). Não vejo
problema em dar crédito a algo tão antigo; a alma humana é de fato a Pedra do Gênesis. Amo minha alma, e
apenas suporto minha carne.
Hoje é o dia perfeito... Usei todos os medicamentos
indicados, mas não minhas drogas favoritas (e nem isso estraga este dia). Eu
sei exatamente o porquê: hoje é um dia frio.
Dias frios são a raiz de toda essa minha reservada
personalidade, que prefere falar mais de perto com pessoas simétricas, e que
deixa o paciente agonizante na mesa, como se não fosse médico (a isso chamam de
procrastinar o trabalho vital). Hoje sei, sou xamã de minha vila, e gostaria
muito de lhe apresenta-la, mas hoje não será possível; visitas de caridade não
acontecem com muita frequência em dias frios. O odor enojoso do lixo sob o sol
é a bússola dos caridosos.
Se amaldiçoo o calor? Não. Amaldiçoo o culto ao calor, a
boca podre e aberta da preguiça, que se torna rainha calçando havaianas.
Se gosto de às vezes não ser compreendido? Sim. Como gosto!
Isso me torna cada vez mais xamânico.
Personalidade é algo descartável, e quebra-cabeças também; a
não ser que se emoldure tamanhas perdas de tempo. Tem muita gente que faz isso,
e aparentemente perdem os portais que a vida atira em suas caras... “Não, não
posso deixar esse maldito vício de linguagem vestido como alguém se vestia há
15 anos”.
Parei de me amaldiçoar, e perdoo todas (eu disse todas) as
falhas de minha carne, pois um xamã de uma vila tão íntegra deve amar seu veículo.
A alma é aquela highway; já a carne, um fusca quebrado, pronto a ser
abandonado. Pegamos carona com os grandes trens, que se fundem aos trilhos. Filosofias
de vida? Estilos de vida? Bom, acredito que estas sejam as rodas do fusca, que
se furam, se decompõem tentando se fundir à highway. Nada disso é preciso,
calculado, ou provado por teoremas, e é por isso que é tão válido falar sobre
tais coisas.
O homem (eu?) tem muita necessidade de se expressar, e
pouquíssima necessidade de ser compreendido. Quadros abstratos, curtas de
festivais, revistas em quadrinhos contando histórias que beiram o transcendentalismo..?
Bem, este sou eu. E cada vez mais Eu.
Não se preocupe, não vou me emoldurar... Para minha carne?
Dispenso caixão.