terça-feira, 24 de abril de 2012

Crítica às mentes ímpares. / ou ( We're 2 of a kind)


Não é nem pra a posteridade
Nem pra um amigo distante
Nem para amigo algum
E não é para ‘leitores’

Me chamaram por um tele-comunicador
Me amarraram à cama
Não me deixaram falar
Tudo bem, eu não queria falar

Caminhos e desvios
Tudo isso lhe trouxe aqui
Não finja que não ouve
Não finja que olha para um caso

Agora posso falar:

Isso não é um maldito poema. O que há de lindo nisso tudo fica por detrás dos olhos, e não são meus esses olhos. Nem estes que se agarram à luz, e nem estes mencionados, que guardam beleza.

Me preparei interminavelmente, até que cheguei aqui. Estou de férias da sociedade, brincando de mímico enquanto ando pela calçada; aquele não sou eu. “Interminavelmente” eu disse? Pois bem, mas agora terminou, e esse não é o fim. Posso me fazer claro hoje em dia, sem forjar arte no falar, no escrever, na mímica denegrida desse corpo que anda solto pelo ar fumacento do centro da cidade. A cidade sempre foi o problema, assim como a torneira abandonada na beira da estrada. Nada disso deveria ter persistido, nada disso se chama progresso, ou evolução. Como admiro (não invejo) pessoas que conseguem se comunicar com animais, e que conseguem viver entre eles.

O tempo chegou, e não tenho medo da queda de nenhum tipo de regime, de convenção social. Ficaria longe do café quente, e até mesmo das belas botas de couro, tudo pra encontrar nas entrelinhas uma vida que vivesse de fôlego, e não da queima de substâncias na tenebrosa alquimia atual, que busca o controle absoluto daquele que se veste, que se pinta, que se diz construtor; do homem. Sou homem, nunca neguei, e não tenho vergonha disso. Não quero ser o artista, nem o louco, nem o coitado do equilibrista que visa apenas o pão, para ele, e para os chegados. Tudo isso hoje parece um terrível engano.

Há quem diga que algumas coisas que não devem ser faladas por telefone, nem por tele-comunicadores, como este que tem à frente, e coisas como estas que digo agora já foram por mim consideradas assuntos secretos. Hoje quero que tudo se revele, que seja valorizado como o que é; não sou eu porém que dito nada disso. Se eu me levantasse, e de alguma maneira tentasse barrar a ciranda da cidade, fosse com som, com barricadas, ou fosse com o absurdo, eu também seria um fascista.

Sou realmente algo vago. Tenho um “par de mente” solto mundo afora. É pra este ser o texto que escrevo; seja esse par um milhão de pessoas, ou parte ínfima de um sujeito. As ondas não se separam do mar.
Minha inspiração não se separa de mim, nem da carne, nem da luz. Tenho diversos amigos de batalha, e já fui um atirador terrível, temido e isolado pelos comandantes. Não devo maiores desculpas, a não ser pelo fato de eu ser vago; nada disso é proposital, nem a omissão, nem o rasgar do verbo.

Correr como um rio, se moldando ao chão e às margens; é este o papel do homem moderno: a flexibilidade, a auto-aceitação, a aceitação dos outros, e o amor incondicional pela coca-cola. Não há nada a ser aceito, e sim vivido. Tudo é banal nesta ciranda macabra! Tenho dentro de mim uma lâmina que afio todo dia, que tenho vontade de usar, mas guardo para pequenas cirurgias... Pois bem! Hoje não tenho medo de usá-la, e esquartejo um número inexato de totens que só vi serem tocados por espanadores feitos de penas de águias. Totens malditos... Que sangrem, e que não sejam estancados!

Convenções e mais convenções, se mostram e se maquiam, na busca de belas fotos, de belas cenas, de belas mentiras para serem contadas à quem ainda não nasceu, e que não terá lábia para desmenti-las.

Quero ser de verdade.
Que o homem de brinquedo seja tão esquartejado quanto o totem, já que está próximo à ele, com seu nojento espanador.

Eu gostaria de ser mais específico, e até mesmo de citar nomes... O problema é que a ciranda à qual me refiro é coberta por uma capa deselegante, como a que é colocada por sob os lençóis dos clubes de orgias mais visitados; não é possível ver nomes, nem rostos na ciranda.

Pois que dêem as mãos, e que adquiram as doenças da vida moderna; que dancem, e não se cansem. Que se esbaldem, e gastem toda essa energia carregada que nos espeta no peito. Que um dia se esgotem, e vaguem pela terra como fantasmas, ainda acreditando serem imortais, e que nós, “pares de mentes” visitemos o paraíso, mesmo que seja por um dia, sentindo a ciranda apenas por um fantasmagórico calafrio, e não presenciando-a com nossos olhos, dia após dia, sob um Sol tão maravilhoso, desperdiçado como se fosse tão banal quanto o que é ostentado nas vitrines e avenidas.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Moço, a didática, loções pós-barba, e desenhos perdidos.

- Quem é esse aqui? – Perguntou a terapeuta, louca para ser parte daquela estória.

- Não sei. Espero que não seja eu! – Respondeu o moço de gravata, que já não fazia muita questão de estar presente, pensando apenas em seus rastros, seus rabiscos, suas pegadas e digitais (era um exemplar paranoico!).

- Para quem você fez esse desenho? – Indagou novamente a terapeuta, com um jeito quase didático, e desconcertante.

- Para algum, para alguém, para um. Notando a demanda, sou louco de enviar, de construir, de crer que um par de antenas a mais na fileira de formigas irá causar um tipo de desalinho confortável. Será que procuro o conforto, ou algo parecido com o recostar do andarilho no barranco ao fim-do-mundo? Acho que no momento atual, nenhum dos dois viria em boa hora. O desconforto me traz questões muito mais importantes do que o deleite.

- E por que tanta cafeína? – Perguntou a moça de suéter zigue-zagueado, coçando o joelho, que estranhamente, não coçava nenhum pouco.

- Por que tantas perguntas? Não te disseram o que eu vim fazer aqui? – Perguntou o moço de gravata, ajeitando uma no bolso uma caneta detalhada em dourado. Ele deu outro gole no copo térmico, cheio de café fresco.

- Bom, sua mãe lhe trouxe aqui, não foi? – A terapeuta não conseguia achar um ponto para descansar os olhos.

- Não é bem isso.

- Ela me disse que você estava tão agitado nessa manhã..!

- Sim, eu estava, mas aposto que não foi ela quem lhe disse isso.

- A quem você se refere ao perguntar se não me disseram o que você veio fazer aqui? – Desta vez com o cenho franzido.

- Olha, estou cansado de fingir ser personagem, quero algo além disso. Não é algo tão distante assim! Não vejo graça nessa peça, nesse filme, nessa maldita história em quadrinhos... Somos tão artificiais quanto o Super-Homem.

- O da DC, ou o do Zaratustra?

- Foi uma pergunta retórica, né?

- Sim... Você leu a última edição americana do Super-Homem?

- Não. Esqueceu que eu estou quebrado? Não tenho nem lugar pra morar, porra!

- Mas e a casa da sua mãe? – Ela anotava com caneta esferográfica azul, sabendo que aquela cor era repudiada pelo moço, quando usada para construir letras.

- Cara, ela é uma figura simbólica! Vê a merda? Você está se atendo ao personagem novamente! Não te disseram mesmo o que eu vim fazer aqui?

- Quem disseram?

- O porteiro, ou a recepcionista, oras!

- Ah, eles? Entendi... Achei que você estava falando em forma de enigmas! Ha ha ha... – Arrumando a gola do suéter.

- Esse roteiro tá uma bosta!

- Você se refere ao clima? Acho que hoje vai ser o dia inteiro ensolarado, né?

- Estou falando da merda do... Esquece, vai! Vou embora.

O telefone toca. A terapeuta atende.

- Oi? Ah, tá certo... Obrigado, Marlene.

Desconcertada, a terapeuta desliga o telefone.

- Você veio pegar os pães de queijo, né? Deve estar com fome... Trouxe o desenho como moeda de troca, certo?

- Sim, eu te disse! Estou quebrado, não tenho onde morar!

- Mas e a casa da sua mãe?!

- Deixa quieto.