quarta-feira, 27 de março de 2013

Quero Acordar Morto


Quero adormecer profundamente, sonhar um tanto, e acordar morto; morto aqui, onde deitamos. Sem memória, sem compromisso, sem vestes.

Entrar no mar sem me importar com anzóis, sem olhar pros dois lados, sem me preocupar com cortantes ondas rasteiras.

Caminhar pelo mundo escuro, sem sons, sem muros ou meio-fio.
Quero ser apresentado à Graça despida de luz ou cobre ou verbo.
Quero conhecer animais maiores que eu, que não correm nem ninham, que rodopiam livres de espaço ou tempo, que não se importam com minha existência. São santos.

Andar no céu, sem ver cor, pigmento, textura, profundidade, infinitude.
Quero acordar morto, sem sensações, sem casa, sem fotografias ou cartas.
Não quero mais regar o que cativo, a não ser um recanto que me chama todas as noites quando durmo; sonho um tanto, e acordo morto.

Acordo, não penso que acordei. Caminho por barrancos, galerias.
Existe um horizonte, existe o breu.
Não há cavalos, não há joguetes, não há história, e o Sol e o Tempo amanheceram mortos.

domingo, 17 de março de 2013

"Please, teach me Hitch"


O que fascina na beleza dos perturbados é que ela é feita e vivida para eles mesmos; o fruto disso é o horror de estranhos, o que lhes agrada, são incompreendidos. Os que procurei entender nunca me encucaram, procurei entender porque me achava parecido; nunca pareci.

Hitchcock está certo sobre estradas quando se está sozinho; a amplitude do espaço ocupado por desconhecidos não é nada além de hostil, os faróis que iluminam meus olhos não se chamam luz, aquilo dói, e são os outros que me apontam estas adagas. Morar com a mãe depois de adulto também não é tão saudável quanto poderia parecer; ela não gostou nada do meu retrato de Bates cercado de aves taxidermadas segurando a mão de sua falecida mãe na cadeira de balanço... Mas que tolice, qualquer um sabe que ele não faria mal à uma mosca!

É importante ser gentil com desconhecidos, após olharmos em seus olhos temos um certo tipo de responsabilidade sobre eles; conhecerão nossas peculiaridades, e nossas mães. Ter um jardim é tão importante quanto ter um labirinto, e os dois têm a mesma função, trata-se do que é cultivado em segredo por trás dos arbustos, conheci garotas atrás de alguns... Já falei sobre isso algumas vezes, gosto de economizar esse tipo de coisa. Eram garotas bonitas, numa avenida estilo Broadway, só que tudo era espelhado reversamente, o fluxo contrário era luminoso, e a luz na verdade era plasma; isso até que tudo começou a se esvair, e outro dia vi o filme todo passando novamente diante dos olhos. Posso chamar flashbacks de filmes, certo? Prefiro a palavra déjà vu.

Ele estava certo sobre cutucar a ferida com o cano de uma Magnum, sempre tive problemas com insônia, e durmo como morto, todos os dias, à tarde. Pássaros são conspiratórios, assim como besouros, que se juntam aos montes nos bolos de receita de M. Crowley, feitos para olhos estranhos e cada vez mais sedentos que se lançam em minha direção, como faróis na estrada.

Desta vez não se trata de um sonho, realmente minha pele sentiu. Ao chegar na casa de um desconhecido (cheia de velhos amigos), fui cumprimentar um rapaz que conheço há anos, ele cozinhava frango, e servia-o com palitos de dentes aos convidados, ele desviou de certa forma o prato com aperitivos de minha mão. Estendi minha mão à ele, e ao aperta-la ele apertou-a firmemente; senti uma agulhada na aparte inferior, onde ele segurou com o indicador, dedo médio e anelar. Aquilo foi desagradável, e pareceu hostil, meu pescoço se arrepiou, e fiquei refletindo sobre o que poderia ter sido aquele aperto de mão doloroso. Momentos mais tarde eu tentava tirar da mão uma farpa, um espeto, algo que estava lá dentro; minha companhia ao meu lado me perguntou “Você passou glitter na mão?”, foi nessa hora que percebi que minha mão estava coberta por finíssimos e minúsculos caquinhos de vidro (perceber isso foi pior do que o aperto de mão em si).

Perceber hoje onde vivo é pior do que viver onde vivo; dar nomes aos lugares, às pessoas, separar situações devido a se passarem em diferentes ambientes, isso é pior do que estar imerso nisso tudo. Minha mente julga, nomeia, separa, e isso é desnecessário, não há foco; se eu pudesse assassinar minha mente, e continuar consciente, de coração pulsante, de aura expansiva, de respiração clara, de cabeça fresca... Eu não precisaria perceber coisa alguma, não há surpresas aos olhos do Desperto. A vida é clara nas entrelinhas, e nós... Acreditamos ter aprendido coisas demais vendo TV.

terça-feira, 12 de março de 2013

Seções Invisíveis


Há momentos em que sinto estranha ligação com a dinâmica de um mundo que acontece velado, [dentro de minha cabeça] (?) (é o que me dizem quando falo); outras opiniões minhas são interpretadas como paranoides, e paro de me importar com isso agora. O que acontece do lado de fora é bem diferente do que nos falam homens que têm certidões que indicam que sabem o que falam. Não deveria ouvir nenhum deles, homens de branco, homens que riem, homens que cantam; homens e mulheres bem resolvidos consigo mesmos, que fazem convites de maneira sempre incisiva, de olhar gentil.

O ímpeto de conhecer o fim é parecido com algo que conheci há algum tempo. “Hoje” é uma palavra forte, e deveria ser menos  usada, talvez de modo generalizado, como... “Hoje é vida, amanhã será morte”. Separar a vivência em seções é extremamente humano e doloroso; dividimos a vida antes de nossa existência aqui em eras, separadas por mortes, quedas, escassez. Normalmente não nos damos conta de que um dia nunca acaba, e que dormir ou morrer não separa as coisas de modo geral; observar tudo em primeira pessoa é manco, e é de bom grado extinguir tal panorama vez ou outra.

O vortex, assim como os padrões fractais, não tendem a inovarem-se no quesito roteiro, mas sim no quesito matéria, talvez isso tenha a ver com o Eterno Retorno; outro cara já pode ter escrito isso aqui com grãos de arroz, e hoje sou ele, com outro nome, outra pele, outra luz. A diferença talvez esteja nos códigos; a vida se repete em roteiros idênticos, mas o alfabeto é outro, a evolução da linguagem: Olhares -> mímica -> grunhidos - [cataclisma] -> hieróglifos -> escrita cuneiforme - [cataclisma] -> números de 1 à 10 -> algoritmo - [holocausto] -> código binário -> telepatia estimulada eletronicamente por nanomáquinas -> transposição da reprodução por vias convencionais -> criônica -> estagnação intelectual coletiva - [holocausto espacial] ... Dispersão -> fim do homem como animal social - [paz mundial] -> expansão coletiva da consciência -> olhares -> mímica -> grunhidos -> 0100011100011001 (...).

Esforçar-se para compreender o silêncio é procurar ser um ser mais abrangente, mais pacífico, emancipado das seções impostas pela humanidade; a seção tão banalmente traçada, que divide o silêncio de vozes da nova tendência de assuntos (da noite, da temporada, da era). Respeitar a vibração do universo sem insinuar que falta um toque de criador (homem) ali é mais importante do que a ânsia pelo utópico nirvana.

Por conveniência, num futuro próximo, não profiramos algo sobre silêncios constrangedores.