quarta-feira, 27 de março de 2013

Quero Acordar Morto


Quero adormecer profundamente, sonhar um tanto, e acordar morto; morto aqui, onde deitamos. Sem memória, sem compromisso, sem vestes.

Entrar no mar sem me importar com anzóis, sem olhar pros dois lados, sem me preocupar com cortantes ondas rasteiras.

Caminhar pelo mundo escuro, sem sons, sem muros ou meio-fio.
Quero ser apresentado à Graça despida de luz ou cobre ou verbo.
Quero conhecer animais maiores que eu, que não correm nem ninham, que rodopiam livres de espaço ou tempo, que não se importam com minha existência. São santos.

Andar no céu, sem ver cor, pigmento, textura, profundidade, infinitude.
Quero acordar morto, sem sensações, sem casa, sem fotografias ou cartas.
Não quero mais regar o que cativo, a não ser um recanto que me chama todas as noites quando durmo; sonho um tanto, e acordo morto.

Acordo, não penso que acordei. Caminho por barrancos, galerias.
Existe um horizonte, existe o breu.
Não há cavalos, não há joguetes, não há história, e o Sol e o Tempo amanheceram mortos.

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