quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Moço, a didática, loções pós-barba, e desenhos perdidos.

- Quem é esse aqui? – Perguntou a terapeuta, louca para ser parte daquela estória.

- Não sei. Espero que não seja eu! – Respondeu o moço de gravata, que já não fazia muita questão de estar presente, pensando apenas em seus rastros, seus rabiscos, suas pegadas e digitais (era um exemplar paranoico!).

- Para quem você fez esse desenho? – Indagou novamente a terapeuta, com um jeito quase didático, e desconcertante.

- Para algum, para alguém, para um. Notando a demanda, sou louco de enviar, de construir, de crer que um par de antenas a mais na fileira de formigas irá causar um tipo de desalinho confortável. Será que procuro o conforto, ou algo parecido com o recostar do andarilho no barranco ao fim-do-mundo? Acho que no momento atual, nenhum dos dois viria em boa hora. O desconforto me traz questões muito mais importantes do que o deleite.

- E por que tanta cafeína? – Perguntou a moça de suéter zigue-zagueado, coçando o joelho, que estranhamente, não coçava nenhum pouco.

- Por que tantas perguntas? Não te disseram o que eu vim fazer aqui? – Perguntou o moço de gravata, ajeitando uma no bolso uma caneta detalhada em dourado. Ele deu outro gole no copo térmico, cheio de café fresco.

- Bom, sua mãe lhe trouxe aqui, não foi? – A terapeuta não conseguia achar um ponto para descansar os olhos.

- Não é bem isso.

- Ela me disse que você estava tão agitado nessa manhã..!

- Sim, eu estava, mas aposto que não foi ela quem lhe disse isso.

- A quem você se refere ao perguntar se não me disseram o que você veio fazer aqui? – Desta vez com o cenho franzido.

- Olha, estou cansado de fingir ser personagem, quero algo além disso. Não é algo tão distante assim! Não vejo graça nessa peça, nesse filme, nessa maldita história em quadrinhos... Somos tão artificiais quanto o Super-Homem.

- O da DC, ou o do Zaratustra?

- Foi uma pergunta retórica, né?

- Sim... Você leu a última edição americana do Super-Homem?

- Não. Esqueceu que eu estou quebrado? Não tenho nem lugar pra morar, porra!

- Mas e a casa da sua mãe? – Ela anotava com caneta esferográfica azul, sabendo que aquela cor era repudiada pelo moço, quando usada para construir letras.

- Cara, ela é uma figura simbólica! Vê a merda? Você está se atendo ao personagem novamente! Não te disseram mesmo o que eu vim fazer aqui?

- Quem disseram?

- O porteiro, ou a recepcionista, oras!

- Ah, eles? Entendi... Achei que você estava falando em forma de enigmas! Ha ha ha... – Arrumando a gola do suéter.

- Esse roteiro tá uma bosta!

- Você se refere ao clima? Acho que hoje vai ser o dia inteiro ensolarado, né?

- Estou falando da merda do... Esquece, vai! Vou embora.

O telefone toca. A terapeuta atende.

- Oi? Ah, tá certo... Obrigado, Marlene.

Desconcertada, a terapeuta desliga o telefone.

- Você veio pegar os pães de queijo, né? Deve estar com fome... Trouxe o desenho como moeda de troca, certo?

- Sim, eu te disse! Estou quebrado, não tenho onde morar!

- Mas e a casa da sua mãe?!

- Deixa quieto.

Um comentário:

  1. Que delícia a surpresa do sorriso certo, ao final de uma história intrigante, que leva a pensar em tudo, menos em pão de queijo. Uma vez alguém disse que o verdadeiro humor é aquele conseguido com uma leve reação de sorriso após o assombro, coisa de criança que leva susto e segundo após, sorri, complacente e cúmplice. You've got it!

    ResponderExcluir