quinta-feira, 7 de junho de 2012

"A estória do coveiro tolo e o fantasma que come lixo"


Existe um chamariz maior do que o engodo da morte plena? Pra mim, a morte é sempre morte. Mas, plena seria a morte-surpresa, aquela que não me deixaria deitado na cama tempo o bastante pra eu me arrepender de qualquer coisa que fiz, ou deixei de fazer. Esse é meu grande grilo: “Será que fiz, e faço mesmo o que eu nasci pra fazer?”.

O som distante que saía do rádio do carro hoje me dizia algo; distante, no sentido de ter sido emitido em vida há no mínimo 42 anos. Acredito que o som dizia algo sobre a constante busca que a morte realiza atrás dos ceifados em potencial. Encontrei no caminho alguém muito ávido em sua busca pela morte. Ele me pediu um real, e eu entreguei. Num assalto amistoso, eu acredito que tenha agido bem, até perguntei se o cara estava “na paz”... Como eu sempre faço inconscientemente. Ele não estava na paz, e aliás, me abordou dizendo “me salva”. Eu não o salvei, e não fui um herói. Não havia nada que eu realmente pudesse fazer. Meu foco era outro no momento; talvez ter menos contratempos possíveis no caminho para casa.

A alma moribunda me pediu que cobrisse seus pés em sua cova. Os pés eram aparentemente só o que faltava para ser enterrado; segundo dizem, o cara já é uma alma penada. Na realidade, no meio daquele maldito purgatório de almas, essa alma moribunda era o único que poderia me socorrer, caso, algum assombrado quisesse me enfiar um cutelo. Ele se fingiu de segurança, e eu me fingi de bobo.

Nunca fui um herói. Em minhas maiores aventuras, eu fui o executor, ou o aprendiz maligno. Posar de anti-herói, aqui, para quem quiser me ver, é mais do que uma satisfação.

Sim, já fui de encontro ao revés, por ter esquecido como era; me lembro agora que o revés tem rosto fantasmagórico, e gosta de brincar com suas crianças como se fossem ossos. Lá, fui agraciado, por não ser criança, e sim, um rapaz de chapéu esquisito se fingindo de bobo.

Eu sei, não devia ter respondido ao eco do bueiro, mas era uma voz tão distante... algo de 40 anos atrás, provavelmente , ou mais... Bem mais!

O fato pelo qual me sento aqui trêmulo, é o de que eu não sei se deixei o dedão daquele cara pra fora de sua cova. Eu poderia ter voltado, e checado, mas seria um contratempo. Cheguei em casa pontualmente, como planejado, à salvo o bastante para transformar em estória um acontecimento aparentemente medíocre, mas que me transformou. Em estórias como esta, sou apenas o coveiro, que para à beira da estrada para comprar charutos, antes de ir à luta, e não o cúmplice de assassinatos de auras. Acredito que seja por isso que vejo tanto prazer em escrever.

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