- Coloque um peso de papel nessa pele estirada no chão; você
não é mais análogo a essa carniça. O que realmente diz respeito à você é sua
alma, e ela não levanta voo, está bem aqui, no eixo de sua esfera.
- Posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro.! Sou apenas você na dimensão macro.
- Ok. Cancelo a pergunta. Era essa mesmo a questão.
- Compreendo.
- Posso vir sempre aqui?
- Você sempre esteve aqui.
É aqui que acaba a saga do Primata do Submundo (aqui houve o
espectro da pergunta sobre ‘O sentido disso tudo’). E é aqui que começa a nossa
saga!
Conheço você de relance. Você é sensível, não por ser
frágil, mas por ter a pele toda esfolada, de tanto atravessar os galhos secos
da superfície. Me reconheço em ti, mesmo quando nos vemos por um 1 segundo e
meio, sob o Sol do centro da cidade. Me reconheço em ti, porque quando saímos
do casulo ao chegar em casa, somos pequenas mariposas, que riem de ratos
nojentos na tela da TV, e não nos deleitamos naquela desgraça. Colocar o rosto
para fora é complicado para Adões e Evas do Submundo. Deveríamos alçar voo em
pleno meio-dia, cruzando os semáforos vermelhos de todo e qualquer olhar de ratos
da superfície.
Reconheço o teu sofrimento, e lhe digo que ele existe devido
ao paradoxo maldito, que é o de ter de nos escondermos ao sair, e voarmos sob o
teto do quarto. Sabe do que mais? Gosto de você, e de todos seus amigos
imaginários; de todos seus sonhos não vividos, e de seu casulo improvisado.
Acreditar que somos fruto de uma grande linhagem, e que
temos a herança da evolução é um erro épico, Eva! Todo abrir de olhos é um
limpar de placenta, e todo piscar de olhos é a morte de toda nossa linhagem.
Abro os olhos, e saio de casa; o mundo é estranho e fétido, até que nos vemos
por 1 segundo e meio. Isso às vezes faz valer meu dia. O frescor da primavera
alaranjada que eu tanto sonhei me manda um sorriso. 1 segundo é o bastante para
espiar pelas brechas do casulo... O meio segundo adicional é por pura admiração.
Gostaria que um dia fizéssemos uma nuvem de insetos, um
panapaná, se preferir. Iríamos ao centro da cidade sem casulos, e desligaríamos
a central de semáforos! Todos os ratos cegos, e um céuzão azul para conhecer.
Sei também o que pode pensar de mim neste momento, e até
disso gosto em você. Só não me confunda com a canção de Vera Lynn. Não falo
sobre um dia ensolarado, e sim sobre uma revolução barulhenta. Um incessante e
ensurdecedor farfalhar de asas. Os ratos morreriam loucos; cegos e loucos. O
fim do paradoxo das mariposas.
Nossa saga começa aqui apenas por este ser outro abrir de
olhos. Tem placenta em seu rosto. Deixe-me limpar... Pronto, melhorou.
Meu Deus! Quebraram-se as pernas da bailarina! Alçou vôo seguro minha alma cinzenta. Direto para o sol, o sol das borboletas! O farfalhar de asas em frente ao cinema. O farfalhar de asas perto da fonte. Parada, farfalhando, nas escadarias da igreja e, subitamente, para perder a casca grossa da miséria, atirando-se nas águas do bebedouro de mendigos de alegria, repleto de luzes de pisca-pisca, repleto da urina fétida com restos de sentimentos humanos. Banho restaurador. Sentir-se limpa. Fora da elite. Sentir-se, só.
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