Criar não é
um fenômeno natural, é um acidente, um escorregão, uma bala perdida. Coloco a
alma a postos, e espero que o acidente seja regra, e que a segurança seja
exceção. O artista pode ser comparado ao fotógrafo jornalístico: “Sem desastres
não há produção”.
Meu desastre
vem se estendendo, como dominós reagindo em cadeia, está no meu DNA, e mesmo
aceitando a cura, o acidente faz parte de meu ser. O acidente, como é mostrado
pelos fotógrafos jornalísticos, causa desconforto, pede espaço; ar e espaço
(para se acomodar e caber na mente). A arte faz este papel, o de reorganizar e
afastar as prateleiras, posicionar as caixas de som que quebram o
silêncio-regra da biblioteca institucionalizada que é a mente de cada ser
ocidental. Para quê tanta organização? Para que no meio da biblioteca se
acendam fogueiras, e para que os meninos de uniforme que ali estudam em
silêncio voltem a ser lobos.
Meu sonho
nesta noite não é tão intangível assim, mas é de difícil acesso; neste caso, o
‘difícil’ significa que não eu, mas alguém mais virtuoso o alcançaria. Ter um
coração assim tão antigo me faz coçar a cabeça, e pensar se tenho noção real do
que faço aqui neste pedaço de terra.
A Verdade é
escura, é para os cegos e surdos. A verdade é tato, e é também para os leprosos
e aleijados. A verdade também bate nos rostos daqueles que gritam ‘Aleluia!’.
Essa infiel amante nos dá as costas, pois a verdade também não tem cara, nem
alma, nem nome.
A verdade é
discutível, assim como a vida na Terra, e ela é multifacetada, trazendo aos
nossos olhos a incerteza, a verdadeira incerteza de que ela pode até mesmo ser
distante de nossa humana existência. Dou um passo à frente, e digo que a
verdade deveria ser dita, mesmo que fosse dolorida, horrorosa... E é isso que
digo: “deveria”, entre aspas mesmo. Nada que é real é escondido de ninguém que
tenha as portas da alma e da percepção abertas; pois a verdade é a própria
realidade que lhe atinge o rosto com violência e frieza irrepreensíveis.
Não existe
fuga da realidade; e isso é sabido quando se percebe que nada mais somos do que
receptores, monitores com telas que são olhos, e sentidos que são antenas. Nem
mesmo morte lhe tira dos braços da realidade; nada mais real do que a certeza
da morte, não é? Acredito em outras dimensões, assim como acredito que a noite
sempre vem, por mais que o dia demore a se despedir. Pois espero a noite; e se
criar é acidente, espero ansiosamente por um atropelamento.
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