quinta-feira, 15 de abril de 2010

Fechaduras e guardiões

Existe uma aranha dentro da fechadura do portão de casa. Lembro-me dela desde que me mudei para cá. Considero muito aquele bicho... é como se fosse um guardião para mim. Mesmo que alguém adentre minha casa, de chave e tudo, para ela (aranha) serei sempre o ‘homem com a chave na mão direita’. Vez ou outra, muito tímida, é tocada pelo meu indicador; ela entra sempre para sua teia, com sua superfície rajada, camuflando-se de todo e qualquer um. Sempre me pergunto: “Como é que essa aranha não morre quando eu viro a chave? Ela vive dentro do tambor!”. Pergunto-me também se um bicho tão pequeno pode viver tanto tempo... Moro aqui há uns seis anos, e não me lembro de em ano algum ter sentido a falta de meu aracnídeo. Digo ‘meu’, como se não fosse sabido que sou possivelmente o arqui-inimigo desse serzinho tão curioso. Quem sabe um dia, eu na pressa não assuste a coitada. E ela vai embora, sem lar, sem chaves, deixando sua teia tão branca naquela escuridão.

Nada acostumado a falar sobre situações concretas, me assusta um pouco revelar fatos tão minuciosos de minha alçada.

Vejo através das pálpebras, sem ver a luz, observo tudo o que tem à minha volta. Acordo de olhos fechados, e continuo vendo, antes do balde de água morna que a visão carnal proporciona. E pensar que o olho é de carne! Pensar que a carne pode enxergar... Pensar que o que me faz ir tão, tão adiante é bem diferente do que faz uma pequena elipse girar. Vivemos em um mundo pequeno. Num mundo que pensa. Num lugar assombrado, quem sabe(!); assombrado por carne. Quem sabe não vivamos no outro lado! Talvez ninguém conheça esse lado de cá, a não ser a gente, que pensa que há onisciente em tudo que é quina do planeta que tem uma luz ‘noir’. Deve ser por isso que tanta gente escala picos, e diz ter encontrado a voz do universo lá em cima. De quinas à côncavos o homem passeia. E macula, com seus indicadores e polegares, a cada espécie que se doa, que nos guarda. Como a aranha de minha fechadura, que é maculada pela minha curiosidade, meus ouvidos sentem-se maculados pelos avisos que bem-te-vis me dão, quando tento cruzar alguma linha imaginária, que coincide com seus suplícios. Notavelmente, me sinto apenas outra aranha.

2 comentários:

  1. Ah...somos tão pequeninos e frágeis nessa imensidão que nos cerca.
    Parece que temos uma necessidade imensa de buscar o inalcançavel, para conseguirmos nos sentir um pouco maiores.

    Seus textos sempre me fazem pensar. Me dão vontade de ler mais e mais...deve ser pr isso que todo dia venho aqui para dar uma conferida no local!
    sasuhsuahs

    Rafael, grande beijo!

    P.S.: As vezes acho meus comentários sem nexo, mas minha cabeça não costuma ser muito linear.

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  2. ~ a haste que liga o corpo da aranha é chamada pedúlio. a que liga o nosso é indagação.

    beijos, rafa. também adorei você e seu blog inteiro.

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