terça-feira, 6 de abril de 2010

Instrumento

Em casa tem um pianinho de brinquedo que me foi dito ser assombrado. Foi deixado por um pedreiro amedrontado na casa da avó da minha garota. Disse que a sogra do cara ouvia o pianinho tocar à noite. Podem duvidar, ou dizer que sou sugestionável, mas... já pareço ter ouvido esse pianinho tocando sozinho. Outro dia eu gravei algo com o tal instrumento, e deixei no computador, no pause, e a gravação começou a tocar sozinha, enquanto minha mana usava o PC.

Hoje dissequei o pianinho; ao abrir pensei ( por mais ridículo que isso seja): “ Nossa, imagine se encontro um boneco de vodu dentro dele?!”. Hã... mas o interior do pianinho era puro, meio danificado, inocente, porém. Como pude pensar coisas tão negativas de um objeto tão imparcial? Consegui fazê-lo desabafar hoje de manhã.. mesmo não sabendo falar a língua dele... Um produtor musical me disse que “guitarras são como mulheres, tem que tratar bem...”. Concordo plenamente, mas tenho um menino de rua aqui do meu lado, com 37 dentes expostos, alguns deles quebrados.

Perdi muito de meu medo... para que eu ache algo ridículo, é necessário que isso realmente me incomode. Não é o caso agora, não me sinto ridículo ao dizer esses fatos e divagações.

“Conte-me algo, algo sobre seus fantasmas!”. É isso o que grita meu lado que conversa, que se excita, que faz da própria mente moradia. O outro lado apenas range os dentes, e reclama se o tempo está quente. O moribundo ainda fuma charutos, e olha para as mulheres, mesmo que sejam feias; considero-me vivo, muito vivo hoje. Algo de diferente habita em minha aura, um parasita bom, uma redenção humana, amor por algo que conheço. Pela primeira vez, me sinto em casa em tudo o que é lugar, mesmo de olhos fechados no ônibus, que é onde as “histórias da areia” me assombram. Desejo-lhe bons sonhos.

3 comentários:

  1. ah que lindo, adoro contos assim.
    Muito obrigada pela visita :-*

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  2. Hey Rafael,

    Muito bom esse texto. Pianinhos? Eu tinha medo, minto, pavor de um ursinho daqueles que você puxa a cordinha e toca uma musiquinha. Aquela porra sempre tocava sozinho... Nem me lembra disso, seu texto me fez recordar!Rs...

    Pois é, a aparência sempre nos enganando, os boatos dos outros fazem o caráter alheio... todos vêem por fora, mas o importante é o que se tem po dentro!

    esclarecedor esse seu texto


    abraços

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  3. Lindo conto, amo pianos. A suavidade e a força do toque. A vibração da nota. Tínhamos um pianinho em casa, mas nunca vi nenhuma assombração entre as cordas...

    .. só na casa da vizinha da rua. (Aquela casa caindo aos pedaços, com teias de aranha e falhas nos tijolos, que cheira a medo, cheirava os meus fantasmas... que hoje andam por outros cantos, contos, melodias e flautas.


    E como já grita, reforço o grito e acrescento: conte-nos algo sobre seus fantasmas, e sobre a sua luz.


    abraços, Rafael!

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