segunda-feira, 26 de abril de 2010

O Mundo Rígido

‘O caracol pagador de promessas’, como ele mesmo se chama, esculpiu uma nova maneira de andar pela rua... Isso lhe trouxe aquelas vontades de antigamente, de quando acreditava em Psicodelia.

- Sinto vontades que eu sentia em minha adolescência; coisas estranhas, como vontade de morder o meio-fio, olhar realmente de perto a ponta de uma agulha, e de comer algo do chão, uma lagartixa morta que seja! Minha cabeça balança constantemente, como a de minha avó, quando vê novela... Tive algo novo para me escorar hoje, quem vê até pensa que sou um cidadão respeitável, que não está fora dos padrões. – Conta Barbosa verdadeiramente animado, com uma sensação infantil de que aquela seria uma sessão agradável.

Gesticulando com as mãos de unhas pontudas, a terapeuta apenas replica:

- Por aqui não existem sessões agradáveis, não deixe que seu Id lhe conduza. Sabe que pode acordar quando quiser, não sabe?

- Sim, mas tenho medo de acordar, e...

- Na, na , não... Pare com isso, senão peço para lhe retirarem de meu escritório!

- Ok. Afinal, eu estou pagando, não é? Com meu tempo, pois nos sonhos o dinheiro de nada vale, e...

À sua direita uma ampulheta verde martela grão por grão dentro de si, sobrepondo tijolos e mais tijolos , todos verdes e minúsculos.

- Me diga algo do qual não fui eu que lhe falei. Mais parece um papagaio! Chama isso de sonho lúcido?!

- Sim, chamo! Se fosse eu um daqueles paspalhões que vêm aqui e lhe pintam de garota dos sonhos, você poderia me vir com essa ridícula tentativa de advertência sobre o que devo fazer com meus sonhos. É tudo muito simples para você, não é?

- Não, por favor, de novo não! Não nos sacrifique! – Suplica a terapeuta, enquanto tira de dentro de um globo ocular bipartido, feito de resina (pertencente ao oftalmologista, que de manhã naquele local trabalha acordado), uma pepita verde, por dentro líquida, que brilha como a pedra que causa dor ao Super-Homem. – Olhe! Tentarei mais uma vez.! Lhe explicarei... isso tudo é muito mais universal e complexo do que pensa! Você se lembra?

A pedra se divide em três, e quase chorando, a terapeuta tem medo de morrer, e que tudo a sua volta fique duro, como as paredes que o oftalmologista vê de manhã.

- Faz um esforço, vai.! – Suplica a terapeuta para que Barbosa se lembre do que ela está lhe mostrando, algo que ela mesma não pode falar.

Barbosa, sem respeitar a entidade que se disfarça à sua frente, finge realmente que é tudo um sonho, e debochado diz apontando para as três pedras verdes:

- Olhe só: Este aqui de cima é o general, esse aqui sou eu criança, e esse aqui é...

- Nããão! - Implora a entidade – Não diga isso, não desta vez, você pode mudar as coisas aqui, refletindo-as no mundo rígido!

Rindo, como um bobo-alegre, o homem apenas diz:

- E essa aqui ... é você!

As pedras se quebram, e o cenário se dobra e esquenta, a terapeuta morre, e o hediondo Barbosa acorda.

- Que merda, que... – Ele se vê deitado sobre uma cama feita de estopa e garrafas PET. Vê uma garota linda, careca e semi-nua deitada ao seu lado. Olha à sua volta, e vê que há cada vez menos espaço para ele e Acácia; fica orgulhoso do presente que colheu da rua para dar para sua filha (que estuda fora e foge dos pais). Não sorri porém, sabe que poderia ter mudado as coisas.

3 comentários:

  1. Mais uma belíssima história dos seus personagens. Desde o texto passado, Barbosa e Acácia têm me encantado muito.
    Falar de loucura, ou não, porque é meio estranho saber quem é quem, é sempre muito complexo.
    Falar do outro é sempre muito complexo!

    Os sonhos são facinantes, mesmo quando inventados, neles, tudo pode, tudo mesmo!

    Beijo, Rafa!

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  2. Porra, isso foi bem louco, eu gostei!
    Abraço

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