Um estúpido e formal roadie
tenta se conectar à realidade, e pra isso usa o monitor de som... É tudo muito
patético, desnecessário, e também a banda sabe disso. Mas, bem... todos têm
direito de se expressar vez ou outra. O que ele balbucia são apenas
manifestações superficiais, de um vulcão que explode toda terça à noite, que é quando
a banda toca. É um mundo estranho, e ele sabe disso. Mais estranho ainda tem se
tornado ele mesmo, e talvez seja isso que o fez falar...
“Onde foi que parei? Ok, deixe-me lhe situar, enquanto afino
essa maléfica guitarra. Parece que esse show nunca vai começar...
Meu grande personagem foi ofuscado pela busca desenfreada
por um roteiro. Ele tinha asas, e é só disso que me lembro. O roteiro tem
acontecido desde sempre, e fui cego hoje a noite, completamente fora de
sintonia com o grande e alado presente que pousava em meus ombros. Ele era apenas
um embrião, e eu o sufoquei. Poderia estar agora
no camarim.
Agora, aquecido e acariciado é bem fácil cuspir na janela
elétrica (esta mesmo, que você encara agora), e fingir que estou dando uma de
marionete; mas nada disso é real. As pessoas jogam fora seus grandes presentes,
e cospem até se secarem, esperando que alguém ache graça, e que batam
devagarinho em suas cabeças, e digam “tadinho...”. Cuspo hoje, mas só cuspo
letras, o líquido está todo aqui, e o poupo, para um dia de sol.
Tenho sido um grande esbanjador, e isso tenho aprendido a
aceitar ao ver amigos que estão com a conta no vermelho (todos eles estão na
banda). Tenho ainda um cachorro, e a penumbra de meu quarto para nela me
deitar. Não tenho móveis, mas ainda tenho cortinas, e isso é bom, atiça a pira
externa, e todos pensam que toco um negócio divertido, como uma creche de
palhaços mirins, ou um ônibus azul, mais penumbrento que meu próprio quarto,
onde semi-gênios compõem ao léu (só me toco de tudo isso quando estou em casa,
e já faz um bom tempo que estou na estrada). Eu compreendo essa grande mentira,
e sei que a realidade é bem mais dura e certeira, como um prego enferrujado no
meio da testa.
Como é difícil me livrar do seio, do dedo, da coberta.
Manias infantilóides fazem de mim esse ‘espetáculo’ (!), e sigo em frente, como
se eu fosse algo que realmente pudesse circular por aí... Não tenho licença
para dirigir meu aparelho motor, pois ele foi tomado à força. Não tenho orgulho
disso, nem vergonha. Alguns mestres têm me dado dicas de como pilotar essa
coisa, e isso basta.
Preciso apenas de um copo d’água, e isso também me basta. Viver simples, e deixar viver. Entende a
proposta? Trago isso guardado há um bom tempo, nisso deposito meu apreço, minha
luta, e também todo esse fluido, me inunda por dentro, e me afoga toda
terça-feira.
Toda terça-feira à noite sou engolido pela natureza, e isso
é fato.
Parece que essa maléfica guitarra está afinada. Sei que
pegou o bonde andando, mas eu precisava conversar; turnês são realmente algo
non-sense. Podemos nos falar depois do show? Ok. Obrigado pela paciência.”
Como é difícil me livrar do seio, do dedo, da coberta. Manias infantilóides fazem de mim esse ‘espetáculo’ (!), e sigo em frente, como se eu fosse algo que realmente pudesse circular por aí... Não tenho licença para dirigir meu aparelho motor, pois ele foi tomado à força. Não tenho orgulho disso, nem vergonha. Alguns mestres têm me dado dicas de como pilotar essa coisa, e isso basta.
ResponderExcluir